sábado, 8 de setembro de 2012

Quem vai pegar o buquê lilás?

OIE

Ela acordou com um medo danado de estar atrasada. E estava. Pulou da cama quase jogando o corpo inteiro para fora dela, lavou o rosto e escovou os dentes, com pressa. Jogou algum dinheiro na bolsa e saiu de casa. Assim que colocou o pé na rua, percebeu que deveria ter levado um guarda-chuva: o céu estava quase preto de tão cinza. Mas não havia tempo para voltar, ela teria que correr muito se quisesse pegar o ônibus a tempo e chegar, pelo menos, 15 minutos depois do horário. Senão, iria chegar meia hora depois e teria de aguentar o sermão da chefe do setor, no escritório triste daquele emprego que odiava.

Ser operadora de telemarketing era um castigo para Marina. Sempre que perguntavam sua profissão, ela se encolhia em si mesma e respondia, com o mesmo orgulho ferido de todas as vezes que ouvia da mãe: “tá vendo? Quem mandou nascer sonhadora e ter cursado Cinema? Agora está aí, mal empregada e infeliz”. A garota ficava ainda mais pequena por dentro e concordava com um meneio de cabeça. Por mais que seu coração não se arrependesse, a mãe estava certa. Apesar de ter amado cada segundo do curso de Cinema, o sonho não lhe trouxe um emprego na área. Aquilo doía tanto que ela não conseguiu mais suportar os “nãos” nas entrevistas, as promessas de telefonemas não cumpridas e os currículos que, certamente, não chegavam ao destino certo. Naquela terça-feira nublada, fazia um mês que havia desistido. Seguiu o conselho da mãe, finalmente. Parou de sonhar.

Enquanto corria para pegar o zero-meia-sete, coletivo lotado de todo santo dia, Marina deixava as lágrimas caírem e pensava que a vida pessoal não estava lá muito boa também. Ser traída pelo namorado não era o final feliz que ela tinha escrito pra si mesma em sua mente criativa. Ela sabia que o relacionamento ia de mal a pior, mas não imaginava que César fosse capaz de tamanha cafajestada. Nem sequer pediu perdão, o salafrário. Apenas deu aquele sorrisinho torto idiota e tentou se justificar: “aconteceu, Nina…” Como se aquelas palavras fossem suficientes. Sorte a dela ter esquecido rápido. Não tinha vocação pra donzela sofredora.

Quando estava na esquina do ponto de ônibus, a chuva começou. E não teve aquele início de garoa fria, não. Já veio atrevida, com pingos enormes que foram direto no cabelo escovado na noite anterior. “Nem pra ter colocado um casaco com capuz”, pensou. Marina se protegeu como pôde debaixo da minúscula parte coberta do ponto, desviando o rosto das ondas feitas pelos carros que passavam a toda velocidade, sem se importar com as pobres almas que dependem de transporte público. Chegaria molhada, infeliz e atrasada. Que falta de sorte.

Colocou os fones nos ouvidos e tentou se concentrar na música. Era a trilha sonora de Pulp Fiction, filme que absolutamente idolatrava. Fechou os olhos por um tempinho e tentou sorrir ao se lembrar dos colegas cineastas. A lembrança foi repentinamente destruída pela água cheia de lama com que um Corolla belíssimo a presenteou. Xingou o motorista de todos os nomes possíveis, mas ele seguiu seu caminho sem nem buzinar. Irritada e com vontade de se jogar na frente do caminhão que passava, Marina olhou para trás, tentando esconder as lágrimas.

Mesmo com a visão embaçada,  conseguiu ver uma coisa quase indecifrável jogada no terreno baldio atrás dela, dentro de uma caixa de papelão com abertura virada para a rua. Estava totalmente coberta de lama e parecia… um ramalhete. Coberto de sujeira, claro, mas um ramalhete. Tomada pela curiosidade, ela se aproximou, sem ligar para o temporal, já que estava completamente encharcada. Se agachou e o pegou, sujando as mãos e também as unhas por fazer. Colocou o ramalhete debaixo da chuva e sorriu. Porque conforme o marrom ia sumindo, apareciam lírios. Lírios lindos com uma cor tão bonita que parecia irreal: lilás. Um buquê lilás todo murcho, com uma fita roxa que unia as flores.

Assim que terminou de limpar o buquê, escutou uma voz masculina que dizia: “moça, você vai pegar uma pneumonia…”. Marina olhou. Era um rapaz  de olhos verdes, com um guarda-chuva xadrez: “Quer carona até o terminal no meu guarda-chuva? Esse ônibus deve estar atrasado.” E então ela começou a sorrir mais ainda porque soube, naquele momento que aquilo era a mudança de narrativa no roteiro da sua vida. Ela, que não acreditava em destino e odiava comédias românticas, soube na hora que o rapaz de olhos verdes que salvava a mocinha em perigo não estava ali à toa. Marina levantou, com o buquê lilás em mãos e disse: “Claro”.

Que se exploda o emprego idiota, a chefe mal amada e a mãe. Ela havia sido escolhida sabe lá por qualquer força para pegar aquele buquê lilás: o único resquício de poesia naquele ano inteiro. Alguém tinha jogado os lírios ali por falta de amor, por raiva, por desilusão. Marina não seria mais uma, não deixaria o mundo destroçar um sonho. Pegou carona no guarda-chuva do rapaz, ainda com as flores nas mãos, decidida a pedir demissão. Decidida a não desistir.

Talvez você não acredite, caro leitor, mas parou de chover assim que eles atravessaram a rua. E o cara de olhos verdes - que por sinal se chamava Pedro – também adorava os filmes do Tarantino. O sol apareceu, timidamente. E quando Marina olhou para o céu, pôde jurar que ele estava meio tingido de lilás.

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Love, Tary

12 comentários:

  1. Que maravilhoso, amiga! Adorei que você criou essa história diferente. Eu juro que desde que você comprou esse perfume que eu imaginava uma história de casamento (sou original, beijos). Mas adorei, adorei. Adorei Marina, adorei Pedro, e achei incrivelmente doce a história! Te amo! Beijo!

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  2. Ai, que coisa linda! Quanto romantismo, Tary! Lindo!

    Beijos!

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  3. Que lindo! Fazia um tempo que eu não lia uma conto assim tão romântico *-*

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  4. Se há no texto alguma referência à sua vida pessoal (ou se tudo isso realmente aconteceu com você rsrs), eu obviamente perdi, mas isso não me impediu de apreciá-lo. Gostei muito, você escreve bem!
    Beijo :)

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  5. Ai, que conto mais lindo, amiga! É bem na linha que eu tento acreditar: uma hora aparece alguém, assim, quando eu menos esperar. Amei os nomes, principalmente Pedro <333

    "Talvez você não acredite, caro leitor, mas parou de chover assim que eles atravessaram a rua(...) E quando Marina olhou para o céu, pôde jurar que ele estava meio tingido de lilás." Awn!

    Beijos! Saudade </3

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  6. Tary, que coisa mais linda! Me aqueceu coração.
    E agora, presta atenção na história: eu já encontrei umas flores jogadas na sarjeta em frente ao meu prédio. Não era lírios, muito menos liláses, eram umas rosas cor-de-rosa tristinhas e meio sujas, e por dias inteiros eu fiquei pensando nelas, em quem as jogou ali, e pensando que daria uma história. E você fez uma coisa mais linda ainda. Que amor!
    beijos

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  7. Sempre colocando sonhos e esperança nos nossos olhos. Linda. Beijos!

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  8. Tary,

    Lindo texto! E adorei o final feliz e o jeito como o narrador conversa com o leitor...meio Lemony Snicket, sabe? Bem legal!

    Parabéns!!

    Beijos,

    Michas

    http://michasborges.blogspot.com

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  9. Sim, querida, aqueceu o coração. É uma forma linda e sutil de dizer: "Não desista!Tem algo muito especial guardado pra você." Fofíssimo!!
    Beijos!

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  10. Que texto lindo Tary! Adoro esses contos com os nomes dos perfumes e o seu foi magnânimo! Acho engraçado quando você fala do Tarantino, parece que está falando de si mesma hahaha revi Pulp Fiction outro dia, é bom mesmo. E ai, eu não acredito que essas histórias sejam passíveis de ser reais, acho muito difícil que um cara aceitável venha salvar uma donzela em perigo e no fim das contas sejam um casal lindo. Não acredito nessas cosias, mas em textos e filmes ficam lindas!
    Abraços <3

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  11. Lindo texto! É uma esperança né? Porque tem que acreditar sempre, contos de fadas existem, cada um a sua maneira, mas existem. ^^

    Sempre me encanto com seus posts, textos e as imagens que escolhe para ilustrá-los. Tu é D+ ;)

    Bjins =***

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