terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A minha maior insegurança, empatia e um recado

Faz tempo eu quero escrever sobre a maior das minhas inseguranças, mas sempre acabo adiando essa conversa. Voltar para uma época complicada da sua vida pode ser um processo extremamente doloroso e exaustivo. Por conta disso, quando a vontade de abordar esse assunto aparecia, eu me forçava a esquecer e escolhia alguma opção mais leve. Porém, de uns dias pra cá, a ideia de que esse texto pode ajudar alguém não para de martelar na minha cabeça. E, de algum modo, eu devo essas palavras à menina que eu fui um dia e tanto precisou delas.
 
Onze anos atrás, mais ou menos, eu  comecei a sofrer bastante com a acne e isso durou até o início da vida adulta. E eu sei que muita gente acaba de revirar os olhos e pensar: “Ah, todo esse drama por causa de algumas espinhas? Que bobagem!”. Só digo uma coisa: quem pensou isso, com toda a certeza do mundo, não teve um caso severo da doença (sim, é uma doença. A 8ª mais comum em todo o mundo) nem conviveu de perto com alguém que passou por isso. Além de ser um grande baque na autoestima, ela costuma aparecer justamente naquela fase em que não precisamos mesmo de mais um motivo para nos sentirmos mal a respeito das nossas aparências.
 
Comigo foi assim. Eu me comparava com as garotas da minha sala, passava horas olhando disfarçadamente àquelas peles livres do que tanto me atormentava. Eu invejava quem tinha a “sorte” de ter uma ou duas e me encolhia quando elas vinham se queixar comigo – justamente comigo –, como se ir reclamar com alguém que está em uma situação pior as reafirmasse. Hoje eu enxergo que elas eram tão inseguras quanto eu, mesmo que os motivos fossem diferentes, mas não consigo deixar de me perguntar o porquê dos comentários. Ah, os comentários. Meu pai sempre diz que quem bate esquece, mas quem apanha jamais esquece. Não preciso fazer esforço algum para deixar as memórias voltarem. Lembro de tudo. 
 
Do dia em que uma amiga veio até mim na hora do intervalo e parou nossa conversa no meio só para dizer: “Nossa, sua testa tá coberta de espinha”. Do dia em que a mais bonita da classe fez cara de pavor enquanto me questionava: “Gente, o que aconteceu com a sua pele?”. Do dia em que, na capela da escola, uma colega com pele de bebê pediu: “Ai, espreme isso aí que tá nojento”. Do dia em que o menino que tinha acabado de me beijar olhou para o meu ombro e perguntou: “Nossa, pura espinha, hein? Você não cuida?”. É engraçado como é difícil recordar certos detalhes desse tempo, mas ainda sei repetir cada palavra dessas frases.
 


Apesar das minhas lesões não serem tão graves quanto a dos meus primos, por exemplo, que deixaram sinais bem profundos na pele, nada do que eu fazia acabava com elas por completo (mais tarde eu descobri que isso tem nome: “acne resistente”). As espinhas podiam não ser grandes, mas eram muitas. E doloridas. Algumas noites, no escuro, eu tocava o meu rosto e começava a contar. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez… E nunca conseguia terminar porque as lágrimas me interrompiam. Houve um período em que eu não queria mais sair de casa, evitava fotos, passava o menor tempo possível me olhando no espelho, andava de cabeça baixa, não parava de ter pensamentos ruins. Era hora de procurar ajuda. Agradeço muito aos meus pais por terem entendido que “não eram só espinhas” e me levado ao médico. Façam o mesmo pelos seus filhos, por favor.
 
Passei por vários e vários dermatologistas, que me receitaram todo tipo de medicamento tópico que vocês imaginarem. Eu usava cada um deles com precisão militar e morria de frustração quando as espinhas não iam embora. Melhoravam, é verdade, mas sempre voltavam. Até que finalmente encontrei uma dermato de quem gostava e, depois de prescrever diversas opções, ela viu que os tratamentos convencionais não estavam funcionando. Foi aí que veio a sugestão de tentar o tal remédio fortíssimo (e bastante eficaz) sobre o qual eu havia lido algumas vezes.
 
Acho que comecei a tomar a Isotretinoína (ou Roacutan, como é mais conhecido) algum tempo depois do meu aniversário de 15 anos. Não quero me estender em detalhes técnicos, mas o remédio é extremamente forte e pode causar muitos efeitos colaterais. É preciso fazer exames de sangue mensalmente porque ele pode desregular as taxas do organismo, além de teste de gravidez (existe risco grave de malformação do feto e um termo de conhecimento de risco acerca disso era assinado pelos meus pais, por eu ser menor de idade na época). Tomei durante um ano e precisei tomar novamente, já adulta, quando a acne voltou (e começou a aparecer nas costas e no colo, lugares onde nunca tinha se manifestado antes). Na segunda vez, senti bem mais os efeitos do remédio e dei graças a Deus quando finalmente acabou (NÃO é brincadeira e passa longe de ser fácil. NÃO é uma escolha leviana. E não é à toa que geralmente é a última alternativa dos médicos. Parem de tratar esse remédio como se nada fosse, pelo amor de Deus). E então acabou. Eu estava livre, finalmente. Será?
 
Minha avó conta que a tática perfeita para me fazer comer legumes quando pequena era dizer que “eram bom para a pele”. Nunca liguei tanto para o meu cabelo (apesar de ter tido problemas com ele na adolescência também), ou tive grandes complexos com o corpo, mas sempre sonhei em ter uma pele linda. Hoje em dia, nada é mais libertador para mim do que sair por aí sem maquiagem. Há alguns dias, quando fui testar uma base na MAC e a vendedora disse que eu só precisava da mais leve – “Because your skin is gorgeous” - , meu coração se aqueceu por alguns segundos, mas só consegui pensar na versão mais jovem de mim. Aquela moça não fazia ideia de tudo o que ela passou para que a Taryne de hoje, anos depois, pudesse ouvir isso. As maldades que escutou calada, a quantidade de tempo (e dinheiro) gasto em dermatologistas, o sofrimento com os tratamentos. Minha vontade era voltar no tempo e dizer: “Tary, você já é linda. Muita gente vai dizer o contrário. Não acredita. Você é linda, você é linda, você é linda. ‘Bonita é ser você’. E um dia você não vai precisar que ninguém te diga isso”.
 


Todos os dias aprendo mais um pouco sobre a importância de me amar, de ter cuidado comigo mesma. Muita coisa mudou no decorrer dos anos que me separam daquela menina que chorava no chuveiro depois de ouvir crueldades mal disfarçadas. Eu me sinto bonita. Mas algo ainda gela dentro de mim quando uma espinha aparece no meu rosto. Não tenho muitas cicatrizes físicas da acne. As pessoas geralmente se impressionam quando conto que fui uma adolescente cheia de espinhas, mas as marcas emocionais sempre estarão aqui. E às vezes ainda doem.
 
Quem sofre de acne sabe que ela está ali. Provavelmente se torturou contando as lesões, como eu fazia. Chorou na frente do espelho e rezou para que aquele corretivo ajudasse a cobrir. Rezou para que, pelo menos naquele dia, naquele único dia, fosse deixada em paz. Qual é o motivo de relembrar algo que a pessoa está cansada de saber, como se ela fosse culpada?  Nunca façam isso. Sério. Nunca. Vocês não têm noção das consequências*.
 
E isso me leva à empatia. Não precisa ser um gênio para saber que muitos dos problemas do mundo se resolveriam se as pessoas fizessem o exercício de se colocar no lugar umas das outras. Parece tão simples, não é? Basta parar e refletir. Eu gostaria que me falassem isso? Eu gostaria que fizessem isso comigo? Será que vai magoar? Leve isso tudo em conta antes de ser responsável pelo sofrimento de alguém.
 










Agora, por último, quero falar diretamente com quem está passando pelo que eu relatei aqui. Primeiro de tudo, me abraça bem apertado. Como você leu acima, sei exatamente como é. Eu entendo. Eu sei que não é besteira. Eu te abraço (sim, mais uma vez).

Segundo: VÁ AO DERMATOLOGISTA! Desculpa pelo caps lock, mas só seu médico vai saber o tratamento certinho para o seu tipo de acne. Se você for adolescente, converse com seus pais, explique o porquê de ser importante (mostre esse post). Escolha um dermato bacana e confie nele.

Terceiro: Ninguém é obrigado a conviver com gente que aponta suas inseguranças deliberadamente. Ter espinhas não é culpa sua, como querem te fazer acreditar. Se essa pessoa for uma amiga, ou um amigo, explique que esse tipo de comentário magoa. E se não for o suficiente, se afaste. Você não precisa estar perto de quem te coloca para baixo.

Quarto: Isso pode ser clichê, mas preciso dizer mesmo assim. Vai passar. Seu tratamento vai dar certo. Tem solução. Não perca a esperança. Meu contato está aqui do ladinho se precisar de mim <3

Quinto: Mesmo quando as suas espinhas forem embora, as pessoas ainda vão arrumar razões para te julgar e te fazer sentir sem valor. Por isso preciso que leia isso o que eu tenho a dizer em seguida com bastante atenção, tá? Você é um ser humano lindo, eu sei. E mesmo sem te conhecer, me dou o direito de te enviar todo o meu amor. Eu te abraço (pela terceira vez e quantas mais você precisar).
 
Vídeo maravilhoso que me faz chorar horrores. Assistam!
Love, Tary

* Não posso falar com propriedade sobre várias outras inseguranças, porém aposto que elas cabem aqui também.
 
P.S: Por ser um texto muito pessoal, pensei se não devia postar na minha newsletter semana que vem, mas acho que estar aqui aumenta as chances de ajudar alguém que esteja passando por isso, quem sabe.

P.S2: Dedico esse post à minha irmã, que infelizmente (e eu rezei tanto para que isso não acontecesse), também teve um caso grave de acne na adolescência. Gio, eu te amo. Sei que você, mais do que ninguém, vai entender o propósito desse texto.

sábado, 23 de janeiro de 2016

Mas tudo bem

Quando a minha flatmate perguntou qual era o propósito de criar uma newsletter, eu disse que nem eu mesma sabia direito, mas todas as minhas amigas estavam fazendo e acompanhar a vida daquelas malucas nunca é demais. E foi bem isso. Apareci no nosso grupo do WhatsApp e a folia estava armada. Todas estavam conversando animadamente sobre esse trem que eu tinha zero ideia de como funcionava. Me mandaram ler o - maravilhoso - post de Anna Vitória, onde ela responde o que raios é newsletter e indica suas favoritas. Fui conquistada pelo frenesi coletivo, me inscrevi em várias, criei a minha e até já inaugurei, acreditam? 

Vou explicar o que eu entendi do negócio e vocês me corrijam se eu estiver errada. Quando você assina, os textos são enviados diretamente para sua caixa de entrada, quase como cartas da era moderna, ou tweets sem limite de caracteres. É meio isso, não? Ainda estou aprendendo. Mas achei fantástico saber que estou sendo lida sem depender do número de comentários, por exemplo. Apesar de ter consciência de que tenho leitores-fantasma por aqui, não tenho a menor de ideia de quantos são ou se ainda existem (oi, vocês estão aí ou desistiram de mim a partir do sumiço número 100?). 

E a verdade é que tenho ideias de textos quase todos os dias, que morrem na minha cabeça, ou vão parar no meu journal. Às vezes são só anedotinhas sobre a minha vida de intercambista, coisas bobas sobre as quais quero tagarelar e dramédias urbanas, como gosto de chamar aqueles momentos tragicômicos que acontecem no meu cotidiano. Pareceu uma boa oportunidade de dividir essas coisas com quem quiser ler. 

O nome surgiu quando pensei na expressão que mais uso no final das minhas frases e ainda é uma bela referência à minha música favorita da Legião Urbana. "Mas tudo bem" não é apenas o refrão de Giz, mas um trending topic da minha existência. Uma mistura de conformismo quando merdas acontecem e não há nada que se possa fazer a respeito, ou do otimismo que precisei costurar em mim pra não enlouquecer. E tem sempre aquele trecho da música do Engenheiros. "Já vi o fim do mundo algumas vezes, mas na manhã seguinte tava tudo bem". Sentar na frente do meu computador pra escrever sobre minhas desventuras é prova suficiente de que tudo acabou bem e vida que segue. 

Estou empolgada com essa nova aventura e com vontade de escrever mais (lá e aqui também, juro). Ainda não tenho noção da periodicidade e linha editorial é uma coisa que jamais passou pela minha mente. Só quero experimentar e ver o que acontece. E aí? Posso aparecer na sua Caixa de Entrada de vez em quando? Clica aqui e vamos embarcar nessa juntos. 

Queria ler a newsletter da Jane Austen, e vocês?
(É sério, respondam nos comentários!)

Love, Tary 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Seja como for, eu vou

Escrevi no Facebook e no meu journal, mas não parecia certo começar 2016 sem tirar a poeira deste blog e falar um pouquinho sobre o ano que passou. Ainda mais considerando que hoje completo seis (seis!!!) anos de Doces Rodopios. Posso ter passado grande parte desse tempo desaparecida, é verdade, mas sempre voltei. Sempre volto. E hoje dou sinal de vida pra dizer que mal posso acreditar que 2015 finalmente chegou ao fim. Foi um ano difícil, cheio de altos e baixos, repleto de tragédias e escândalos. Porém, no que diz respeito à minha humilde vidinha, estes 365 dias foram muito importantes. Olhando para trás, parece que vivi mil vidas.

Comecei o ano pedindo demissão e passei meses sem saber o que raios iria fazer em seguida. A expressão “mixed feelings” nem começa a descrever o que aconteceu dentro de mim depois desse passo gigantesco. E no fim das contas, os patos se enfileiraram. Decidi atravessar o mundo em busca de mim mesma. Semprei sonhei em fazer intercâmbio e aproveitei esse momento de dúvidas angustiantes (sério, eu tava enloquecendo) pra realizar esse desejo. Sabe quando você sente que, se não fizer algo “agora”, talvez nunca mais tenha essa chance?

Mas antes de desembarcar em Dublin, a missão de surpreender a noiva do ano precisava ser cumprida. Eu e minhas amigas alugamos um apartamento no Rio de Janeiro, fomos juntas para a balada (pela primeira vez, já que sempre preferimos bater papo de pijama) com coroas típicas de despedida de solteira, ostentamos bolo e champanhe e passeamos na Urca <3 (não consigo escrever Urca sem colocar um coração do lado, me perdoem). E em junho, Couthinha casou. Na cerimônia mais linda que meus olhos já viram. Nós fomos damas, seguramos buquês e choramos horrores, como esperado. Ainda não consigo explicar o que aconteceu naquele dia. Parece um sonho que sonhamos em conjunto. E de certo modo, foi mesmo.

Então, depois de alguns dias, meus pés tocaram a Ilha Esmeralda. O último texto traz um bom resumo dos meus primeiros 100 dias aqui, mas teve muito mais. Um Halloween de verdade, com todo mundo fantasiado nos pubs do Temple Bar. Caminhadas de mais de 30 quilômetros em busca de emprego. O fim do meu curso de inglês. Trabalho voluntário. A decisão mais difícil que já tomei em 24 anos. Um Natal longe de casa com direito à ceia farta, amigos pra vida inteira e o coração quebrado de saudades.

E tem quem pense que intercâmbio é glamour. Essa experiência tem mais suor, lágrimas, bolha no pé e dor de cabeça do que as pessoas imaginam. É um tal de passar a semana comendo porcaria porque não dá tempo de almoçar em casa (e nem se tem dinheiro pra comer bem em algum restaurante). Não fazer coisas simples, que no Brasil faziam parte do cotidiano, como comprar uma roupa só porque achou bonita, ou pegar um táxi só porque está chovendo muito. Intercâmbio é sacríficio. É escolher prioridades. É poupar hoje pra ter amanhã. Não é fácil estar aqui. E mais difícil ainda foi escolher ficar mais um pouco. A saudade da minha família aperta tanto que às vezes sinto vontade de pegar um avião e correr para os braços de quem mais amo nesse mundo. Ficar é colocar em prática o exercício da renúncia todos os dias, mas também significa abraçar uma vida que só posso ter aqui. E que vai ficar aqui quando eu voltar.

Ah, só mais uma coisa. No dia 31 de março, em pedaços, eu postei o seguinte: “(…) nunca quis tanto: escrever, me apaixonar e viajar por aí. Apesar de não me considerar boa ou preparada o suficiente para nenhuma dessas coisas.” E adivinhem só? Todas essas coisas aconteceram em 2015. Eu continuei documentando tudo no papel (completei um ano mantendo um journal), estou morando na Irlanda há seis meses e… me apaixonei. Foi bem diferente dos filmes da Disney (essas músicas dizem tudo, caso alguém esteja curioso) e passou longe de se tornar amor, mas não me arrependo de absolutamente nada. Pelo contrário, tenho certeza de que tudo o que me permiti viver (e sentir) vai refletir no “daqui pra frente”. Já dizia o Poetinha que o amor da nossa vida é feito de todos os outros que a gente teve.

Terminei 2015 me sentindo grata, infinita e, principalmente, orgulhosa de mim. Eu provei  que consigo me virar. Me dei um voto de confiança. Acreditei que podia. Nunca corri tantos riscos em tão pouco tempo. Tive que driblar a indecisão e fazer escolhas complicadas. Experimentei o gosto da coragem e pedi mais. Chorei, sofri, me perdi, mas meu Deus do céu, como eu vivi.

Se a Taryne do futuro tivesse contado para a Taryne do passado tudo o que a aguardava, ela provavelmente morreria de rir, incrédula. Não faço a menor ideia do que 2016 me reserva. Só quero aprender ainda mais. Colecionar memórias bonitas e experiências desafiadoras nessas páginas em branco que agora parecem tão intimidadoras. Mas seja como for, eu vou. Estamos indo. Boa jornada para todos nós!

Alguns dos melhores momentos de 2015

Love, Tary