quinta-feira, 26 de junho de 2014

A Copa das Copas

Eu não tenho tantas coisas em comum com meu pai, quanto tenho com a minha mãe. Quero dizer, nós dois gostamos de tomar café de manhã, somos os últimos a sair da pista de dança, amamos Raul Seixas, Beatles e Tim Maia, curtimos uma cervejinha. E ok, devo admitir, nossos gênios são bastante parecidos. Somos esquentados e não aceitamos pedidos de desculpa com tanta facilidade.

Mas nossas maiores paixões, por exemplo, divergem por completo. Ele passa muito tempo vendo futebol e eu passo muito tempo lendo livros. Vivo brincando que a culpa de eu não se aficionada pelo esporte é totalmente dele. Mais do que isso, digo a torto e direito que ele é o culpado por eu não ser corintiana roxa. Meu pai nunca comprou camisetinha nem bola do Timão pra me persuadir. Aí não deu outra. Foi só o Kaká sorrir pra mim que virei são-paulina.

E, confesso, também rolou toda aquela vontade de contrariar o paizão doido pelo Corinthians. Por muito tempo, torci religiosamente pelo São Paulo. Decorei escalação, aprendi a cantar o hino, entrava no site do Tricolor todo santo dia e ficava contando vantagem por causa das vitórias do meu time. Quando São Paulo e Corinthians se enfrentavam, meu pai ficava tão possesso, que eu precisava comemorar gol no quarto ao lado, morrendo de rir.

Infelizmente – ou felizmente, vai saber –, todo esse fangirlismo teve o destino de muitos outros da minha adolescência: não passou de uma fase. Era muito sofrimento e muita zoação na escola no dia seguinte quando o São Paulo perdia. Não deixei de torcer, mas parei de acompanhar as partidas e cansei do fanatismo. Meu pai continuou vendo os jogos sozinho na sala de casa.

Tive a iluminação na tarde de hoje. Assim que entrei no carro depois do trabalho, ele puxou o assunto: “Você viu, filha? Luisito pegou nove jogos de punição!”. E começou o papo animado sobre a Copa do Mundo. Dei a notícia de que o Aguero estava fora da seleção argentina por causa de uma lesão, enquanto a gente ouvia no rádio o jogo dos Estados Unidos contra a Alemanha.

Comentamos as chances do Brasil no Mundial, contei que o Paulinho estava treinando com os reservas e o Forlán, com os titulares. Então chegamos em casa e almoçamos assistindo Portugal e Gana morrerem abraçados. Aí lembrei do meu pai, ex-jogador profissional, me perguntando quem eu tinha achado o melhor jogador da partida entre Brasil e Croácia. Lembrei da gente comendo pipoca, enquanto assistia o Uruguai enfrentar a Inglaterra. E tantos outros jogos incríveis que acompanhamos nos últimos dias. Pensar nisso me deixou, sei lá… meio emocionada? Não sei.

Dizer que a Copa de 2014 me aproximou do meu pai talvez seja forte demais. Nós somos próximos. Nós brigamos e discordamos, é verdade, mas nos amamos demais e tenho certeza que faríamos de tudo um pelo outro. A questão é que me senti, pela primeira vez, inteiramente parte do mundo dele. Igualmente apaixonada pela mesma coisa, vibrando na mesma sintonia. Tenho lembranças de outros mundiais, mas em nenhum deles eu mergulhei na paixão do meu pai como agora. Existem muitas razões para essa ser a Copa das Copas. Pra mim, no meu coração, essa é a principal.

Love, Tary

P.S: Te amo, paizinho!

domingo, 15 de junho de 2014

A culpa é das estrelas

Existem certas coisas que estão no imaginário das pessoas. Você pode não ter visto uma novela mexicana na vida, mas já ouviu falar de Paola Bracho e Soraya Montenegro. Talvez a gente nem se lembre direito como descobriu a existência do Curupira ou da Mula sem Cabeça, mas a imagem deles está lá, desenhada nas nossas mentes. E mesmo se as plantações de nabos no Afeganistão fizerem mais sentido na sua cabeça do que William Shakespeare, é praticamente impossível desconhecer a premissa de Romeu & Julieta.

Dessa mesma forma, é quase que folclórico entre as minhas amigas: eu não gosto de A Culpa é das Estrelas, do John Green. Um livro que todas elas amam profundamente. É quase como um grande clube de identificação do qual eu simplesmente não faço parte. Minhas pessoas preferidas estão lá, com suas carteirinhas de integrantes assíduas, enquanto permaneço na porta, olhando para os pés e esperando que elas saiam do prédio (ou que o assunto mude de direção, se você  não sacou a metáfora).

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Tudo isso começou lá em 2012, quando fomos juntas à Bienal de São Paulo e compramos nossos exemplares. Durante a invasão ao estande da Intrínseca, ganhamos duas pulseirinhas azuis e o pingente de nuvem que quase não tiramos do pescoço. Na volta para casa, as que ainda não tinham lido foram devorando o livro. E se apaixonando por ele. Uma a uma. Acho que eu fui a última (ou uma das últimas) a ler.

Vocês conseguem imaginar o tamanho das minhas expectativas? Multipliquem por “todas as minhas amigas amam esse livro de paixão”. Multipliquem por “John Green é uma das minhas pessoas favoritas desde 2008”. Multipliquem por “esse vai ser o melhor YA a passar pelas minhas mãos”. Não vou dizer que certas coisas não me incomodaram durante a leitura (incomodaram, sim, e eu escrevi sobre elas), mas o depois foi bem pior. Começamos a discutir sobre o livro e fui percebendo, pouco a pouco, que a euforia delas não combinava com meu sentimento. Que eu não estava arrebatada daquela forma. Que eu não tinha amado sem ressalvas. Que eu não tinha… amado.

Desde então, sempre que o assunto é A Culpa é das Estrelas, sinto que estou montada num elefante cor-de-rosa no meio da sala.

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Logo, quando os rumores do filme começaram a surgir, não fiquei nem um pouco ansiosa. Depois de tudo confirmado, até me irritei um bocado com as imagens pipocando no meu lugar seguro na internet. No entanto, jamais deixei de torcer para que a adaptação alcançasse as expectativas dos fãs. Eu, por minha vez, não tinha quase nenhuma (aprendi a lição). Não queria que a história se repetisse, mas já me preparava para isso.

No dia em que li o livro, eu era uma folha de papel quase totalmente preenchida, frente e verso. Neste sábado, enquanto assistia ao filme, me senti um caderno em branco. Se vocês olhassem as minhas páginas, perceberiam como eu amei cada segundo. O tom, a trilha sonora, o roteiro, a química do elenco, as interpretações. Tudo. Os aspectos que me incomodaram no texto original foram suavizados na tela.

Hazel e Gus eram dois personagens que eu não conseguia sentir vivos, respirando (como é tão importante para mim que aconteça). Eles eram só de papel e tinta. Não me convenciam como adolescentes, como “gente de verdade”.

OKAY

E então, no olhar de Shailene Woodley, eu entendi a garota que leria até a lista de compras de Peter Van Houten e consegui me reconhecer nela. No sorriso de Ansel Elgort, encontrei um Gus tão honestamente construído, que o afeto foi instantâneo. Adorei o personagem quando li, mas ele não me pareceu tão verossímil quanto agora, não se materializou do meu lado, com um cigarro entre os dentes, e me acompanhou pela vida. E as interações dos protagonistas? Acreditei em cada abraço, em cada troca de olhares, em cada “Okay”.

Falando em metáforas, assim que os personagens cativaram, as quotes me afetaram muito mais. Cenas como a “escalada” na casa de Anne Frank e a maravilhosa sequência dos ovos ganharam um sentido completamente novo (não consigo lembrar delas no livro). Outro grande mérito é o quanto o filme consegue divertir. Claro que me debulhei em lágrimas quando a coisa ficou séria, mas no pesar da balança, as risadas ganharam.

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Brinquei com as minhas amigas que não sei mais quem eu sou na ordem do dia. Depois de tanto tempo não gostando de A Culpa é das Estrelas, fiquei sem reação diante de tudo o que a adaptação me provocou. Afinal, a história é basicamente a mesma.

Será que finalmente compreendi aquele papo de “mídias diferentes”? Apenas não gosto de um e adoro o outro? Ou esse é o sinal de que minha experiência numa releitura pode ser diferente? Como eu já disse por aqui, não adianta quebrar a cabeça em mil teorias. Eu amei. Senti. Entendi. Dei cinco estrelas no Filmow. Favoritei.

Não invalido minha opinião do passado: guardo a folha rabiscada sobre o livro dentro do novo caderno. Mas neste momento, sinto que nada está pronto e acabado. Ainda restam muitas páginas em branco.

Love, Tary

P.S: Fica o meu protesto para aquelas pessoas que conversam no cinema. Ninguém quer saber a sua opinião sobre cada trecho do filme nem ouvir sua risada inconveniente em cenas que não combinam com riso. Também não precisa dizer em voz alta que o Ansel é lindo. Todas sabemos deste fato. Espero, sinceramente, que, depois de tanto falatório, as idiotas da minha sessão fiquem com dor de garganta e passem a semana toda sem voz.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Se não falasse sobre livros, não seria eu

Depois de muito tempo no limbo blogueiro, finalmente estou com bastante vontade de escrever. O problema é que ando achando tudo o que escrevo uma bela de uma droga (agora mesmo precisei me recuperar de uma vontade psicótica de apagar vários posts antigos). As ideias ficam assanhadas na minha mente e o anjinho me diz para postar, enquanto o diabinho puxa meu cabelo e argumenta que o melhor é desistir, ou voltar de uma vez pro limbo. Me cansei dos dois e resolvi ficar no meio termo, apelando para um meme. Assim não deixo de escrever e ao mesmo tempo não maltrato tanto a crítica cruel que existe aqui dentro. Minha amiga Analu me convidou a responder essas 15 perguntas (que não consigo deixar de ler com sotaque português) da tag Palavras Cruzadas, criada pela Inês, do Ines Books. Demorei, é verdade, mas cá estou eu. 

1. Vox Populi (um livro para recomendar a toda a gente)

Se tem um livro subestimado nessa vida, este é A Vida em Tons de Cinza, da Ruta Sepetys. Até as amigas que costumam conferir minhas indicações com certa rapidez não parecem ter se convencido totalmente (I’m looking at you). Talvez seja o título, que remete àquele sucesso editorial inexplicável, a capa modesta ou o pouco burburinho que existe em torno dele. Falta de propaganda minha não é. Tenho um vídeo sobre ele e foi o melhor livro que li no ano passado. Os personagens são cativantes, o tema é pertinente, a jornada ensina. A autora foi brilhante ao retratar o sofrimento dos povos bálticos, deportados pela polícia secreta soviética para campos de trabalhos forçados na Sibéria. Ela transformou aquele parágrafo perdido no livro de história em algo inesquecível. Tem todo o potencial para ser universalmente amado, só é preciso dar uma chance. Ainda não se convenceu? Veja isso aqui.

2. Maldito Plágio (um livro que gostaríamos de ter escrito)

Quando eu penso em mim mesma como escritora, me vejo escrevendo contos. O que não faz o menor sentido, já que eu nem gosto tanto assim de ler contos. A verdade é que não devo me achar lá muito capaz de terminar um romance inteirinho. Mas se Erico Verissimo escreveu aquela maravilha chamada Música ao Longe em 20 dias, por que não eu (com um prazo bem maior, claro)? Em um dos seus vídeos incríveis, Ariel Bissett diz que autor favorito é aquele com quem temos uma certa conexão mental. Me sinto dessa forma com Erico desde sempre. Partilhamos até mesmo essa história de escolher com cuidado os nomes dos personagens. Além disso, esse livro me dá quentinho no coração, o que casa perfeitamente com meu desejo de escrever algo que as pessoas leiam numa varanda, sentindo a brisa no rosto e sorrindo o tempo todo.

3. Não vale a pena abater árvores por causa disto

Eu parto do princípio de que toda a leitura é válida, até mesmo as ruins. Só que nós poderíamos ter passado sem Diário de uma Paixão, né? Nada pode ser pior do que um romance onde o casal protagonista não convence nem por um segundo. Um enredo lacrimoso que só te faz chorar de raiva e sentir vontade de jogar o exemplar (quem nem é seu) na primeira janela que aparecer. Pelo menos serviu para constatar que Nicholas Sparks não é pra mim.

4. Não és tu, sou eu (um livro bom, lido na altura errada)

Pense naquela TPM desgraçada, quando nem todo o chocolate do mundo consegue deter a sua impaciência. Foi num dia assim que cometi um pecado imperdoável com Reparação, do Ian McEwan. Lembro de ter começado bem, me impressionei com a escrita e fiquei intrigada com a protagonista. No terceiro dia de leitura, a irritação tomou conta de mim. A narrativa me deu angústia, nada se desenvolvia e a situação foi ficando insustentável. Aí… eu li o final. Nunca façam isso. Pelo menos não com este livro. Minha idiotice destruiu toda a experiência de leitura e, se já estava me arrastando, a coisa ficou ainda pior. Preciso reler e dar a atenção que ele merece. Enquanto o momento não chega, pretendo me aventurar com outros livros do autor.

5. Eu tentei... (um livro que tentamos ler, mas não conseguimos).

Me orgulho muito de ter o gosto literário variado, mas encontrei meu calcanhar de Aquiles com Eu, Robô e O Guia do Mochileiro das Galáxias. Ficção científica simplesmente não funciona comigo. Acho extremamente complicado me envolver com argumentos viajadíssimos nesse nível. Mesmo assim, sou persistente e ainda espero encontrar o livro do gênero que vai explodir minha cabecinha. Indicações são bem vindas.

6. Hã? (um livro que lemos e não percebemos nada OU um livro que teve um final surpreendente)

É difícil fugir de spoilers dos clássicos e agradeço ao universo por ter me livrado de muitos deles. Fico especialmente feliz por ter lido O Grande Gatsby sem saber o que me esperava. Tio Fitz foi genial ao moldar toda a narrativa para convergir no maravilhoso clímax. I didn’t see that coming! Recomendo fortemente que vocês fujam de qualquer espírito de porco disposto a contar o final. Vale a pena se surpreender durante a leitura.

7. Foi tão bom, não foi? (um livro que devoramos)

Eu absolutamente amo comer livros com arroz, feijão e batata frita! Na minha listinha das “melhores coisas do mundo”, isso está no top 10. Consigo me lembrar de várias experiências literárias que poderiam ser colocadas aqui, mas A Revolução dos Bichos, do George Orwell, é forte candidato ao posto de “livro que li mais rápido na vida”. Ele é curtinho, eu sei, mas já enrolei semanas para ler coisas menores! Foi tipo um encontro mágico, ou coisa parecida. Gritinhos de “que foda!” e “meu Deus, que treco genial” a cada página virada, vontade de obrigar todo mundo a ler e discutir sobre todas as metáforas geniais inseridas ali. Em duas horas (de puro deleite), eu havia terminado. Me segurei para não começar a reler em seguida.

8. Entre livros e tachos (uma personagem que gostaríamos que cozinhasse para nós)

Gostaria muito que a Calpurnia, de O Sol é Para Todos, preparasse um dos seus quitutes maravilhosos para mim. Eu sentaria na mesa com o Jem e a Scout, tagarelando sem parar sobre o pai deles ser o meu herói. Que saudade desse livro. Muito obrigada pelo meu clássico preferido, Harper Lee.

9. Fast Foward (um livro que podia ter menos páginas que não se perdia nada)

Não me entendam mal, eu amei A Trama do Casamento e não estou em posição de reclamar do quanto o Jeffrey Eugenides escreve, já que este homem insiste em me fazer esperar anos por novas publicações. Porém, o fato de ter pensado na quantidade de páginas mesmo devorando o livro, deve querer dizer alguma coisa. O capítulo sobre leveduras, por exemplo… precisava mesmo daquilo? Umas 100 páginas a menos não fariam mal, vai.

10. Às cegas (um livro que escolheríamos só por causa do título)

Um dos meus favoritos da vida foi escolhido justamente por causa do título. Quando a Taryne de 16 anos pediu A Menina que Roubava Livros para a madrinha, não fazia ideia do que esperar. Só sabia que precisava saber o porquê da tal menina roubar os livros e também descobrir o significado por trás daquela capa linda (nunca vou respeitar a capa daquele filme horroroso). Agradeço muito à Tary do passado. Devo essa história a ela (e à madrinha Tetê).

11. O que conta é o interior (um livro bom com uma capa feia)

Uma vida interrompida é outro livro subestimado (e outro que tem uma adaptação cinematográfica vergonhosa). Susie Salmon, a protagonista, morre de um jeito cruel e acompanha a família lá do céu. Olha essa premissa! Nunca vou entender como as pessoas não se interessaram. Só podem ter sido assustadas por essa capa medonha, com a modelo de olhos injetados fazendo cosplay de Laura Palmer.

12. Rir é o melhor remédio (um livro que nos tenha feito rir)

Eu poderia citar Sophie Kinsella, que tem sido rainha suprema nessa categoria, mas hoje vou de Oscar Wilde. O Fantasma de Canterville me fez dar muita risada com as ironias do autor, que aborda a rivalidade entre americanos e ingleses do jeito mais inusitado possível. O pobre fantasma do título é aterrorizado pelos novos moradores da casa que assombra e a gente morre de rir, enquanto Oscar Wilde critica a sociedade vitoriana.

13. Tragam-me os Kleenex, se faz favor (um livro que nos tenha feito chorar)

A maior choradeira da minha vida foi com Meu Pé de Laranja Lima, do José Mauro de Vasconcellos, no segundo ano do Ensino Médio. Lembro que a minha mãe ligou logo quando eu tinha acabado de fechar o livro e ficou imediatamente assustada, achando que alguém havia morrido. Aqueles acontecimentos me doeram na carne. Quis adotar o Zezé, curar todas as feridas dele, plantar um pé de laranja lima no quintal de casa. Meu sonho é reler, mas sei que fiquei mais mole com o tempo e tenho medo de não conseguir mais sair da cama de tanto sofrimento (é sério).

14. Esse livro tem um V de volta (um livro que não emprestaríamos a ninguém)

Olha, me chame de egoísta o quanto quiser, mas só empresto os meus livros quando tenho plena confiança na índole do leitor em questão. E não tô falando de caráter e sim do modo como a pessoa trata os livrinhos. Se Gandhi marcasse página com a orelha dos livros, ele jamais encostaria nos meus. Dito isso, deixo registrado que nunca vou emprestar O Noivo da Princesa, do William Goldman. Encontrar este livro no sebo da minha cidade foi melhor do que ganhar na loteria. A versão traduzida de The Princess Bride teve pouquíssimas edições e é muito difícil de ser encontrada.

15. Espera aí que eu já te atendo (um livro ou autor que estamos constantemente a adiar)

Minha relação com Gabriel García Marquez sempre foi a seguinte: nunca li, sempre amei. Ainda não consegui ânimo para tirar o “nunca” desta frase e encarar O Amor nos Tempos do Cólera. Anna Vitória vive me dizendo pra deixar de besteira, mas tá complicado. Já comecei a ler incontáveis vezes e nunca passei da página 10. É uma vergonha, eu tenho total consciência disso, e se disser há quanto tempo ele mora na minha estante, vocês choram. Tenho a esperança de que um dia aquele livrinho azul me atraia feito comida de desenho animado e eu não consiga me desvencilhar dele até terminar. Até lá, sigo adiando, com o coração na mão.

Love, Tary

domingo, 8 de junho de 2014

Ainda bem que somos todos diferentes

Quinta-feira passada comprei um prestígio no terminal e, assim que abri a embalagem, lembrei de quando estava na terceira série. Naquela época, cadernos de perguntas ainda estavam na moda. Uma pergunta era escrita em cada folha e o caderno passava de mão em mão. As redes sociais não existiam, então era uma boa forma de stalkearmos uns aos outros. Flertes e grandes amizades surgiam da brincadeira. E mesmo quando isso não acontecia, continuava sendo divertido para driblar a aula mais chata do dia.

Enquanto esperava o ônibus, um dos questionamentos voltou à minha mente. “Qual chocolate você mais odeia?”. Lembro que foi um choque me deparar com as respostas. Eu não conseguia entender o porquê. Até questionei algumas das minhas amigas e elas disseram apenas que era ruim, e pronto. Para minha completa incompreensão, a maioria havia respondido prestígio. Alguns até colocaram um “eca!” para enfatizar a repulsa pelo meu chocolate favorito. Pois é. Um daqueles momentos em que percebemos que até mesmo as coisas mais intocadas para nós não são apreciadas por todo mundo. As pessoas têm gostos diferentes, as pessoas são diferentes, as pessoas discordam. E isso não se trata somente de chocolate.

Falo principalmente da arte. Livros, filmes, séries, música, peças de teatro (…) Como é difícil entender quem odiou algo que você ama, ou se apaixonou loucamente por alguma coisa que você detesta. Às vezes achamos que tem algo de errado com a gente. Não analisamos direito, não destacamos os prós e contras, amamos com tanto vigor que não enxergamos os defeitos, ou odiamos com tanta paixão que as qualidades ficaram em segundo plano. Mas pode ser bem mais fácil julgar o outro lado do que olhar para o próprio umbigo, ou simplesmente aceitar que somos todos diferentes.

Quem não gostou deve ter deixado a sensibilidade em casa. Não entendeu. Não tem maturidade para compreender. Não estudou o bastante. Deve gostar mesmo é de (insira uma obra do mesmo gênero, de preferência popular, e odiada por público, ou crítica). Sem contar os comentários condescendentes sobre a personalidade (você é muito doce para gostar de um livro tão pungente) ou os xingamentos baixos. Ainda mais complicado é ser minoria (as minorias sofrem até nesse departamento, vejam vocês).  Não gostar de um livro que meio universo idolatra e fala sem parar no seu ouvido. Amar um filme sem ressalvas e todos arregalarem os olhos de pura incredulidade quando você ousa dizer isso em voz alta.

A arte é subjetiva. Tem muito a ver com quem somos, com a forma que vemos o mundo. Não há problema em sentir amor, ódio ou indiferença por qualquer produto cultural. Essas sensações são essenciais na construção de cada um, colaboram para o autoconhecimento e geram ótimas discussões. Não adianta quebrar a cabeça em mil teorias para explicar o que sentimos nem tentar alcançar o porquê da sua amiga ter se apaixonado por uma série que você abomina. Não adianta querer pensar como os outros ou tentar fazer com que eles se pareçam mais com você.

Porém, gostando ou desgostando, o mais importante de tudo isso é saber que nada nos dá o direito de rotular e diminuir as pessoas. Nada nos dá o direito de dizer que fulano é “isso” ou “aquilo” por ter amado ou odiado determinada obra. É ridículo escrever que o filme de “A Culpa é das Estrelas” foi feito para “virgenzinhas sem senso crítico”, como eu li por aí. Não gosto do livro, como vocês bem sabem, mas nunca vou apoiar qualquer ofensa ao fãs. É inadmissível vestir a máscara de pseudocult, ostentando olhar blasé e sorriso pedante, para falar que só gente superficial curtiu “O Espetacular Homem-Aranha 2”.

Não sejamos haters nem talifãs. A intolerância é capaz de destruir tudo o que existe de bonito nesse mundo. Na verdade, já destruiu muitas coisas. E cabe a nós não contribuirmos para que isso aconteça com a arte. A diversidade torna a vida mais colorida. Abre um mundo de possibilidades. Prova que somos complexos, únicos, insubstituíveis.

E faz com que sobrem mais prestígios na caixa. Ainda bem.

Love, Tary