segunda-feira, 19 de março de 2012

Clarissa

Ela saiu do quarto com o cabelo roxo grudado na cara e aproveitou a sensação dos pés quentes desafiando o chão frio. Estava com um livro finlandês horroroso nas mãos e usando uma camiseta enorme do Strokes. Aí sentou no tapete da sala e deu uma boa olhada na tatuagem recém saída do forno e cravada pra sempre no braço esquerdo. Era isso aí. Não se arrependia nem um pouco. Nem mesmo depois da cara assustada dos amigos e do próprio tatuador. 
 
Então correu os olhos pelo apartamento, abarrotado de livros por todos os lados, exceto o quadrado do tapete, ocupado pelo computador e por suas pernas de fantasma. Aquele era o único canto para suas próprias histórias, canções e desenhos. O resto da sala era o mundo inteiro que ela experimentava todos os dias. O quarto só tinha espaço para uma cama de casal cheia de almofadas pretas e um banheiro com a pia grudada na porta. A cozinha, menor ainda, só servia para beber água, toddynho, whisky sem gelo e comer pizza, lasanha congelada, sushi.
 
Pintar não queria mais. Não tinha espaço pro cavalete e nem pro fogo que trazia pro peito essa história de transformar solidão em colorido. A pintura era só na parede. Junto com um monte de azul, laranja, milhões de frases escritas com canetinha preta, as inevitáveis cartas antigas. E, claro, aquele bilhete.

"Clarissa: cabelo de uva, olho castanho, corpo safado, paixão que pulsa, risada que morde, amor que sussurra... Beijo do teu".
 
Leu, releu. Levantou e foi em direção à parede. Pegou o bilhete. Leu mais uma vez. Colocou na boca, fechou os olhos e mastigou, mastigou. Sentiu o sabor da tinta, o papel se desmanchando até desaparecer. E ele tão perto, em forma de febre, causando tontura.

Três anos depois, vinte aulas de canto, cinquenta canções escritas, 267 livros espalhados, 5 tatuagens e uma nova paixão. Mas só de lembrar... lábios dormentes, corpo formigando, cacos se formando debaixo dos pés. E aquele gostinho agridoce de vida tomando conta do céu da boca e corroendo a garganta.                                                                                                     

"I remember when you came
You taught me how to sing
Now, it seems so far away"
The Strokes
 
Love, Tary

Este texto pode ser lido como a continuação de outros três postados aqui no blog em 2010. Hoje em dia o nome da série de contos me parece muito novela mexicana, mas a Clarissa é linda e eu de repente precisei saber como ela estava. Aí aproveitei o meme da Analu.

14 comentários:

  1. Nossa, amiga! Baixou o caboclo postador?? HAHAHA.
    Adorei a história da Clarissa! Ainda não sei como vou escrever a minha, hahaha.
    Beijos!

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  2. Geeente AMEI esse texto!!! Super a sua cara, super curto strokes e super curti a Clarissa! Parece a Cassie um pouco, misturada com todos os outros personagens legais, tipo a Clementine de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" etc e tal. Pow, curti demais! Você arrasa Taryne gata! Beijoss

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    1. Ela tem um pouco de Cassie e Clementine mesmo, Mayrinha! Que bom que você notou *___*

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  3. Meu Deus, assim vc me assusta. No 2 ano, estagiar e estudar já é um horror. Assim como vc está pensando em TCC eu estou pensando em pautas e procurando outro estágio. Boa sorte pra você e bora que está acabando \o

    beijos

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    1. Flor, acho que você comentou o post errado, hahaha! Mas é tenso mesmo... Sorry por te assustar =/

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  4. Adorei esse texto!!
    Muito lindo,intenso,sensível...
    Gostei bastante.

    http://infinitaeu.blogspot.com.br/

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  5. Hehehe...
    Adorei o texto!!!
    Realmente...
    O tempo passa e as coisas mudam...

    Bjs!!!

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  6. Ah, que lindo! Lindo mesmo.
    Eu não sabia que tu escrevia contos (ou crônicas?) ^.^
    Acho que porque eu não procurei por aqui antes =P

    Que bom que conseguiu um tempinho para voltar a postar, tava com saudade de ler teu blog hehehe

    Bjins =*

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  7. Adorei! Tem uma coisa nele que me lembra a Taylor, aquela guria que tem uma maquiagem de panda, sabe? Deve ser a parte das pernas de fantasmas e as tatuagens e a camiseta do Strokes...
    To doida?

    Beijos, Taryzinha!

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  8. Muito bonita a história!
    Não deixa de ter a ver com o lado romântico e intenso da outra Clarissa né?
    Beijossss

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  9. Adorei a sua Clarissa, Tary! Não conhecia ela, mas vou procurar os outros uma hora dessas.
    Beijos :)

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