domingo, 7 de março de 2010

Pedaços do Coração – Parte I: Choque

Lembra do nosso sofá? Ele era tão bonito, cheio das almofadas indianas que Samantha nos trouxera da última viagem. Estava embutido na parede abaixo de uma grande janela onde às vezes nos escorávamos e uníamos os rostos. Ajoelhados no sofá, um copo de vodca nas mãos, contemplando aquela cidade que nos apaixonava. De dia, o sol entrava, invadindo nosso pequeno apartamento; à noite, deixávamos a brisa e a lua sentarem conosco à mesa, saboreando meus típicos desastres culinários. Aquele sofá, uma mesa com duas cadeiras e um velho colchão: nossos únicos móveis.
 
Lembra da tarde em que me trouxe aquele aparelho de som de segunda mão? Que festa! Colocamos Cazuza para tocar o dia todo e, finalmente, desencaixotamos nossos discos antigos, nossos tesouros. Naquele dia nos beijamos por tanto tempo que meus lábios adormeceram. Ainda consigo recordar aquela sensação estranhamente deliciosa.
 
Lembra de quando surtei e tingi meus cabelos de roxo? Nunca vi você rir tanto. E nunca vi me olhar com tanta paixão como quando esparramei meus cabelos de uva por nosso colchão, sem roupas, sem pudor, sem medo.

Lembra daquele carro vermelho? Estava vindo tão rápido, tão rápido, que pensei ter visto um lampejo de sangue no asfalto. Setembro, muito frio, gritos, tudo em câmera lenta.
 
Seus olhos, azuis e apavorados; seus braços fortes me jogando para longe, na direção oposta. Seu peito - o peito em que me debruçara tantas vezes para te ouvir cantar baixinho - recebendo todo o baque, você girando no ar e caindo, frágil como as folhas das canções que escrevia e que voavam pelo apartamento.

Meu braço e minha perna se quebraram quando você salvou minha vida. Meu coração se quebrou quando você perdeu a sua. As partes do meu coração se perderam e eu as procuro. Procuro no nosso lindo sofá, na enorme janela, nas garrafas de vodca quebradas, na cidade agora menos apaixonante, na lua agora menos romântica, na brisa gelada e no sol de domingo. Procuro no antigo aparelho de som, nas canções do Cazuza, no meu estúpido cabelo roxo, no colchão caindo aos pedaços, nos carros vermelhos  assassinos e nas canções que você escrevia. Por mais que eu tente, não consigo encontrar.

Os pedaços do meu coração eram seus e só você poderia me dizer como juntá-los novamente. Mas você não pode, e eu não posso sem você, nunca pude.

Lembra dessas coisas? Lembra?

Dezembro. Bolas coloridas, neve, sua ausência, risos mudos e meus lábios para sempre dormentes de você. 

Esta história é dividida em três partes: Choque, Negação e Aceitação. Pensei nela por acaso e a protagonista me levou até o final. Em breve, posto o resto.

12 comentários:

  1. Nossa!
    É até comum ver pela net afora, textos bacanas, recheados de sensibilidade onde personagens se lembrem de situações amorosas, relações, sonhos ou devaneios, momentos enfim que fizeram ou fazem parte do inconsciente de quem escreve ou simplesmente das próprias protagonistas inventadas, narradoras, etc. Mas no mundo dos rodopios hoje me vi surpreendido... e de certa forma, por ter amado alguém e depois perdido, senti o texto um tanto qto duro, mais duro do que se costuma ler... tá mais pra uma coisa real, quase verdadeira...
    Tary.. meus parabéns pela tua capacidade cada dia mais séria de escrever e encantar! Que venham as continuações!! Sucesso amiga maior! Bjinhos

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  2. Que dom vc tem com as plavras, né?! Lindo! Beijos.

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  3. Tary,
    passei aqui só pq deu saudade, na verdade achava até que ñ iria encontrar nada, afinal seu computador quebrou de novo né? Mas achei 3 textinhos novos, que delícia. Esse história é triste, mas ao mesmo texto bonita. E tao real, gostei de ler... muito bem escrito. Se vc escrevesse um livro, eu comprava. =) Ah, adorei o texto que vc fez para sua maninha, parabéns pra ela, aliás. Eu bem sei como é ter uma amizade assim. Eu e Bia somos unidas assim igual à vcs, é uma relaçao muito especial. Nunca percam isso! E ela tem muita sorte de ter uma irma assim como vc. Beijos no coraçao! Ana

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  4. Tary to respondendo os cmts mt mt mt rapido, mas JURO qe volto pra ler, hoje ainda ! hihi, muuuuuuuuito obrigada meesmo por ler o blog e se divertir com ele, HAUSHAUS, e amo o seu lay de verdade, a marilyn é mt diva !

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  5. Gostei do texto... tão forte, e triste.. :/ Depois confiro as próximas partes..

    ~> Quanto ao Conde de Monte Cristo, menina, eu nem sabia que havia um desenho.. nunca assisti! Agora fiquei curiosa, rs..

    Bjs! :)

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  6. Quantas lembranças!!! Fico esperando o restante...

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  7. Também gostei muito do seu! Tá de parabéns! :DD

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  8. Bem bonito, Tary. Triste que só!
    beijos

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  9. Poxa, Tary, esse texto foi muito envolvente! Detalhes de um casal tão bonito...
    Ai, até fiquei tristinha agora!
    (andmakemesmile.blogspot)

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  10. QUE LINDO.

    Ai, meldeus. Quse chorei aqui. Sua história nem precisava de continuação. Ficou linda desse jeito, também.

    Adorei. Tocou meu coração. Lindo jeito de escrever o seu.



    Bjs.
    (http://macasverdes.com)

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  11. Adorei o texto. Eu já fiz um "projeto" desse tipo no meu blog. Quando escrevemos uma história e a continuamos ou dividimos, é porque ela tem um significado importante para nós.

    E a sua deve ter um lindo!

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  12. Que coisa mais linda esse texto, Tary. Puxa vida. Gostei demais. Por que eu sempre gosto mais dos dramas? *-* Parabéns!

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