Vocês conseguem imaginar a quantidade de sentimentos que
fizeram a festa dentro de mim durante esse período? Nem tive muito tempo para
processar todos eles. No dia 26 de junho, por mais louco que isso ainda me
pareça, eu desembarquei em terras irlandesas. Isso mesmo. Estou vivendo em
Dublin há quase quatro meses. Mas a sensação é de que já estou na Ilha Esmeralda
há um ano. Tudo é tão intenso nesse lugar. Parece uma realidade paralela onde
cada acontecimento é amplificado ao extremo. Amizade de duas semanas vira
irmandade. Aniversário longe da família é a pior das mortes horríveis. Você vê o
fim do mundo algumas vezes e, horas depois, se sente capaz de alcançar o
céu.
Lembram da garota com uma bebida na mão e um sorriso no rosto, que se joga na pista de dança como se ninguém estivesse olhando? Ela apareceu
muito por aqui. Descobri que gosto tanto de sair pra me divertir quanto de ficar
em casa vendo filme com as minhas flatmates. Existe lugar para as duas coisas e
nenhuma precisa valer mais do que a outra. Eu entendi que sei me virar muito bem
sozinha. Compro e preparo minha própria comida todos os dias. Uso o GPS ao invés
de ligar para o meu pai. Vou a pé para todos os lugares que pretendo ir. Divido
um flat com outras duas pessoas que conheci aqui. Só dependo de mim mesma. E
isso traz um frescor de liberdade que todo mundo precisa experimentar.
Em 100 dias de Irlanda eu aprendi que não dá pra se
sentir totalmente seguro em lugar nenhum do mundo, mas isso não pode me impedir
de voar. Aprendi que posso me permitir gostar de alguém e viver isso sem medo.
Fazer e dizer o que achar que devo, mesmo que as coisas terminem do mesmo jeito
que começaram: por acaso. Prefiro as lembranças de beijos na chuva do que meu
coração protegido de antes. Passei anos prometendo a mim mesma que iria sair de
casa e viver. Isso nunca foi tão real quanto é agora.
Eu vi um show do Ed Sheeran depois de uma loucura pra conseguir
o ingresso e chorei ao escutar Tenerife Sea ao vivo. Adicionei os Cliffs of
Moher à minha lista de “coisas mais lindas do mundo”. Me apaixonei pelos parques
de Dublin. Tirei uma selfie com o Oscar Wilde. Encontrei num livro a descrição do lugar sombrio em que eu havia acabado de colocar os pés. Entreguei flyers por
20 euros e uma pizza. Vivi momentos dignos de comédias românticas com
protagonistas destrambelhadas. Precisei lidar com várias despedidas. Além de
intenso, tudo acaba sendo muito efêmero no intercâmbio. Pessoas que entram e
saem das nossas vidas. O bonito é que muitas delas deixam marcas inesquecíveis.
Sinto falta do Brasil. Não tenho o quarto da minha irmã ao lado
do meu. Nem abraço de mãe quando as coisas dão errado. Nem meu pai me chamando
de “branca”. Mas me sinto forte. Não sei como. Não sei de onde vem. Vou
superando cada obstáculo que insiste em supor que eu não deveria ter vindo. Eu
sei que, neste momento, meu lugar é aqui. Aqui, onde eu aprendo a cada dia.
Aqui, onde eu às vezes olho em volta e nem acredito. Uma aventura que eu não
fazia ideia de que iria escrever este ano e já acumula tantas páginas. As folhas
em branco me assustam um pouquinho, eu admito. Ainda não sei qual vai ser a
história que elas vão abrigar. Acordo e vou dormir com um milhão de dúvidas na
minha mente. Só sei que provei uma boa colherada dessa tal de Coragem e quis
repetir. Eu descreveria o sabor como agridoce. Nem sempre acordo cedo, ou me
sinto ótima, mas com certeza a melhor viagem é seguir a trilha que eu abri.
Love, Tary