Cuidar de alguém indefeso e dependente não é tarefa fácil para quem é individualista e também um bocado desastrada. E mesmo que a pequena Maria Clara, de um ano e quatro meses, seja minha priminha adorada, nunca a havia segurado no colo por muito tempo, tomado conta dela nem passado tempo suficiente em sua inocente companhia de bebê sapeca. A verdade é que não me considerava suficientemente "jeitosa" para ser responsável por alguém tão frágil. Tudo isso mudou numa certa tarde em que, motivada pelo jornalismo, fui até a casa da Maria Clara disposta a vivenciar o máximo possível da experiência de ser mãe. Ao menos por um dia.
Engoli todas as minhas limitações, preconceitos com relação a mim mesma e as críticas daqueles que consideraram a minha tarefa 'fácil demais' - estes, com toda a certeza, não me conhecem em nada. Fui até lá com várias pontadas de medo. "Será que eu vou conseguir segurá-la direito?", "Mas... e se ela chorar?" e, principalmente, "Como é que eu vou fazer pra trocar fralda?" Indagação acompanhada por aquela fisionomia clássica de 'ecaaa'. Chegando à casa da pequena, tive de esperar. Ela desfrutava do tradicional 'soninho da tarde', quase uma exclusividade do mundo dos bebês.
Depois de duas horas, ela despertou, ainda sonolenta. A babá a colocou em meus braços e disse: "Mãe por um dia, ela é toda sua!". Maria usava uma chupeta e estava com os cachinhos suados quando a acomodei em meu colo, dei um beijo em sua bochecha rosada e a levei para o primeiro desafio do dia: trocar de roupa. Ouvi dizer que algumas crianças odeiam essa parte, mas a minha pequena nem se abalou e até facilitou o meu serviço levantando os bracinhos rechonchudos, meu maior obstáculo foi mesmo minha falta de jeito. O modelito era uma graça: um vestido floral frente única e sandálias brancas de laço as quais ela chamava de "pato, pato". Sapato na linguagem dos nenéns.
Fomos até a cozinha e me explicaram que, após a soneca, ela costumava comer bananas. Peguei uma delas, descasquei e com Maria sentadinha no meu colo, fui oferecendo a fruta. Ela comia devagar e às vezes me presenteava com um de seus risinhos fofos. Então, no momento em que eu a achava a coisinha mais linda desse mundo, a bebê tirou a banana mastigada da boca e me ofereceu toda gentil. “Não, brigada”, eu repetia com um risinho amarelo. Maria não se fez de rogada e continuou insistindo, até que peguei a banana babada – o que a deixou muito satisfeita - e joguei no lixo. Também ofereci água na mamadeira e ela tomou com muito gosto. Eu estava morrendo de sede também, mas aprendi que vontade de filho vem muito, mas muito antes da nossa. E por mais que pareça estranho, é uma alegria imensa trocar nossa vontade pela deles.
A próxima tarefa era a mamadeira. Quatro colheradas de leite em pó especial de soja e 210 ml de água quente, chacoalha, chacoalha, chacoalha e experimenta pra ver se não está quente demais. Porém, quem disse que Maria Clara me deixava tirá-la do colo pra preparar o ‘mamá’? Ou ela corria pra fora, ou vinha para perto de mim com os bracinhos estendidos para que eu a segurasse. Por várias vezes tentei colocá-la no colo da minha mãe, Nilcélia – que acompanhou a aventura rindo muito da minha cara de desesperada -, mas a Maria não queria saber dela. A essa altura já havia se apegado a mim e balançava a cabeça calmamente sempre que eu queria entregá-la pra alguém. Isso me deixou bem boba e fez com que eu sentisse uma grande onda de amor por aquela menina.
Com muito custo, conseguimos despistá-la, o que não foi nada fácil porque a Maria é muito esperta e sempre dava um baile na gente. Minha mãe entrou na sala com ela enquanto eu preparava o leite. Preciso dizer que me atrapalhei e fiz a maior sujeira com o leite caríssimo? Não, né? Quando entrei na sala, minha ‘filha’ já esticava os bracinhos para provar a mamadeira, dizendo ‘mamá, mamá’! Mas tenho certeza que minha peripécia não ficou lá muito gostosa. Ela bebeu uns golinhos, logo não quis mais saber e fomos brincar.
Impressionante como para os bebês tudo é uma nova descoberta, a pequena se divertia com a textura da almofada, com o ursinho que fiz de fantoche, com o barulho das minhas chaves, meu brinco em formato de flor, meus óculos e todas as minhas brincadeiras para fazê-la rir – que deixariam qualquer outra pessoa revirando os olhos. Eu já estava cansada de tanto corre e corre, com o cabelo arrepiado e cara de doida. No entanto, a tarde era uma criança. Literalmente. E mesmo que eu não quisesse dar o braço a torcer, sabia que estava adorando passar meu tempo ali. Na varanda, um pequeno lanche preparado pela minha mãe permitiu que eu me sentasse um pouquinho e comesse uns bolinhos de chuva. Para beber, um daqueles sucos de caixinha que vem com canudo. De maçã.
Logo a Maria chegou com seu sorriso aberto me pedindo um gole. Ofereci e ela bebeu com gosto, quase sem parar pra respirar. O que prova ainda mais a minha teoria: meu ‘mamá’ ficou realmente uma droga. Perdi o suco pra ela e nem me importei. Tudo o que importava era seguir os passos dela pela varanda, brincar com as flores do jardim, ouvir seus gritinhos felizes e quase morrer quando ela pisava com força em uma poça de água suja do jardim, rindo sem parar, ou tropeçava ameaçando cair. Nem gostava de imaginar o que aconteceria se ela se machucasse!
Pior que isso foi a próxima arte da Maria: ligar a torneira quebrada do jardim e nos molhar inteiras, se divertindo a valer com minha cara de perdida tentando impedir. Lá pelo fim da tarde, o que mais me tirou o sono: trocar a fralda. Descobri que esta parte a Maria detesta. Ela resmungava em cima do trocador, se debatia querendo mexer em uma caixa e não gostou nada. Mas foi só começar a brincar com ela que a ‘raivinha’ passou. Logo eu estava tirando a fralda suja, limpando e colocando uma nova. Mamãe acompanhou o processo e rindo, disse: “Parece que está fazendo uma cirurgia na menina!”. Apesar da piada, admitiu que eu levava jeito e, ao colocar uma nova roupinha na Maria, notei que estava bem mais confiante. No fim, trocar a fralda foi o mais natural da experiência toda. O mais difícil é se esquecer de si mesmo em prol de uma pessoinha que depende de você, não tirar os olhos dela nem por um minuto, correndo atrás e dando bronca quando precisa – não fui bem sucedida nisso... ela é fofa demais pra pensar em brigar!
Brincamos bastante com a motoca dela, sentamos no chão da varanda e o único momento em que ela chorou foi quando viu Regina, a babá, indo embora. Não durou muito, mas o foi o pior momento pra mim. Foi terrível ver a Maria Clara agarradinha na grade do portão, chorando e super sentida. Peguei as pulseiras que ela adora colocar no pulso e, minutos depois, a bebê já estava sorrindo e cantarolando – na linguagem dela – pelos cantos. Na hora de ir embora, um beijo na bochecha, um abraço apertado e um aperto no peito. Eu já sentia saudade.
Quando a Ceci, mãe da Maria, voltou para casa, fomos embora bem rápido pra que ela não notasse minha ausência. E eu queria ficar mais, dar banho, fazer dormir, levar para passear, conversar... Dizem que ser mãe é padecer no paraíso. Se for realmente assim, quero padecer mais vezes. Quebrei meus próprios paradigmas e descobri que o medo pode te impedir de ter experiências maravilhosas. E foi uma doce bebê de olhos castanhos, cabelos cacheadinhos e olhar sapeca quem fez com que eu me desse conta disso. Ainda bem!
Te amo, bebê!
Love, Tary
P.S: Matéria de jornalismo gonzo escrita para o jornal da faculdade, a pedidos da minha amiga Ana Luísa Bussular.